Reforma da Previdência pode ser o fim da aposentadoria rural, afirmam agricultores
Lideranças e produtores familiares acreditam que proposta do governo retira o direito à aposentadoria
Vinícius Sobreira
Ana Paula / Acervo pessoal
Já tramita na Câmara Federal sob o título de PEC 287 a Proposta de
Emenda à Constituição que visa alterar as regras de aposentadoria no
Brasil. Assinada por Michel Temer e pelo ministro da Fazenda Henrique
Meirelles, a Reforma da Previdência é vista como uma ameaça à
aposentadoria da população do campo. Segundo lideranças e agricultoras
entrevistadas, as novas regras inviabilizam que a população rural acesse
o direito à aposentadoria.
Pelas as novas regras que podem ser
estabelecidas pela PEC 287, o trabalhador e a trabalhadora rural só
poderão se aposentar com idade mínima de 65 anos.E mesmo com 60 e 55
anos, esses camponeses só conseguirão aposentadoria se contribuírem
mensalmente com o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) por 25
anos. Mas caso queiram recebem a aposentadoria no valor integral, terão
que contribuir por 49 anos.
O ponto da contribuição mensal é um
dos maiores incômodos do presidente da Federação dos Trabalhadores em
Agricultura do Estado de Pernambuco (FETAPE), Doriel de Barros. “Não
pode ser assim. O trabalhador urbano tem salário, mas a renda do
trabalhador rural depende da produção. Olhe para o Nordeste, que
enfrenta uma seca há seis anos. Como é que pagaremos ao INSS todo mês?”,
pergunta Barros. “Além disso é uma proposta mentirosa, que se ancora
num suposto déficit da previdência que na prática não existe. Eles
querem fazer ‘terrorismo’, afirmando que aposentados ficarão sem
receber”, completa. Segundo a Associação Nacional de Auditores Fiscais
da Receita Federal do Brasil (Anfip), a Previdência Social é
superavitária, ao contrário do que diz o Governo Federal, que propôs a
Reforma da Previdência para solucionar um suposto “rombo”.
Agricultor
familiar da comunidade rural de Poço Dantas, na cidade de Tabira,
Sertão de Pernambuco, o presidente da Central Única dos Trabalhadores
(CUT) em Pernambuco, Carlos Veras, acredita que a nova regra que obriga a
contribuição mensal vai tirar o direito à aposentadoria rural. “Os
recursos que essas famílias têm são para seu sustento. Essa reforma vai
acabar com o direito à aposentadoria. Nós vamos trabalhar a vida toda e
morrer sem se aposentar”, se queixa Veras. O sindicalista, que vê a
Previdência Social como “a principal fonte de distribuição de renda do
País”, se refere ainda à seca para exemplificar a dificuldade do
agricultor da região Nordeste. “Muitas famílias estão quase sem renda,
dependendo de benefícios e dos programas sociais. Como é que essas
famílias vão pagar mensalmente a Previdência Social? Nessa seca, qual a
renda mensal de um trabalhador rural?!”, provoca.
O dirigente
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) Jaime Amorim avalia
que a Reforma da Previdência é “o pior golpe dentro desse golpe”. “Como é
que camponeses que plantam para a subsistência pagarão taxas mensais?”,
questiona Amorim. “Teremos que pagar desde jovens, mas jovens não
produzem excedente financeiro para pagar o INSS. Qualquer taxa mínima é
inviável. A reforma é inviável para a economia e para a sobrevivência
das pessoas”, reclama.
O advogado trabalhista André Barreto
explica que pelas regras atuais, o trabalhador rural pode acessar a
aposentadoria por duas vias: a comum para os trabalhadores empregados
rurais, que têm recolhimento mensal de impostos para o INSS; e a
‘aposentadoria especial’, em geral para pequenos agricultores e
comunidades tradicionais. “A aposentadoria especial não necessita
pagamento mensal da Previdência, não precisa pagar ao INSS mensalmente,
bastando ao trabalhador comprovar documentalmente que ao longo de 15
anos ou mais ele era trabalhador rural, que estava produzindo,
comercializando”, diz Barreto. “Mas com a reforma da previdência a
modalidade especial fica extinta. A aposentadoria fica por idade e tempo
de contribuição, inclusive para o agricultor familiar”.
A
agricultora aposentada Alaíde Martins, 55, da cidade de Triunfo, Sertão
pernambucano, conquistou a aposentadoria após provar que exerceu o
trabalho durante décadas. “Eu precisei apresentar o ITR (Imposto
Territorial Rural), mais de 200 cópias de documentos, mostrei que minha
família recebeu o Seguro Safra durante tantos anos, comprovante de
quitação eleitoral para mostrar que eu estava mesmo morando na cidade
durante esses tempo e ainda os comprovantes de que recebi as sementes do
IPA (Instituto Agroeconômico de Pernambuco)”, recorda.
A
aposentada alega que o pagamento mensal de INSS é financeiramente
inviável para as famílias camponesas. “A maioria dos agricultores não
tem outra renda além da agricultura. Como é que ele vai fazer para pagar
ao INSS durante 25 anos? Eu pagava só R$ 13 ao Sindicato e ainda pesava
no meu orçamento. Imagine pagar o INSS, que deve ser mais de R$ 30?! O
agricultor não tem condições de pagar isso”, se queixa. “A pessoa fica a
vida inteira trabalhando, suando para se aposentar. Mas com a mudança,
com essa história de pagar o INSS todo mês, a pessoa não vai mais
conseguir se aposentar. Daqui para quando a pessoa consiga pagar 25 anos
de INSS, ela já não vai mais estar viva”, avalia Martins. Em sua
opinião, caso a Reforma da Previdência seja aprovada, “daqui uns anos os
agricultores idosos estarão morrendo de fome, porque não terão
condições de trabalhar e nem estarão aposentados”.
Ana Paula
Ferreira, 30, do município de Afogados da Ingazeira, Sertão
pernambucano, afirma que a proposta do Governo Temer vai ter grande
impacto negativo. “Vai abalar bastante quem é da agricultura familiar.
Estamos numa seca de seis anos no Nordeste e não estamos tendo renda.
Com certeza as famílias não conseguirão pagar o INSS. E não vamos
conseguir nos aposentar”, lamenta. O presidente da FETAPE acredita que o
Governo Federal está punindo quem não tem culpa pela crise. “É um
absurdo colocar trabalhadores rurais para pagar a conta da crise, para
cobrir os juros da dívida pública, impondo a milhões de trabalhadores
uma condição de nunca se aposentar”. Cerca de 36% da população
brasileira é rural, segundo levantamento do Ministério do
Desenvolvimento Agrário em 2015.
Pelas regras propostas na PEC
287, os homens trabalhadores rurais que hoje têm 50 anos e as mulheres
camponesas com 45, idade de se aposentar pelas regras de hoje, também
sentirão o impacto, mas dentro de uma “transição”. Para se aposentar
recebendo o valor para o qual se programavam, terão de pagar um
“pedágio” de 50% sobre o tempo que faltaria para se aposentar pela nova
regra (ou seja, terão que pagar 50% do valor que pagariam até completar
60 e 55 anos.
O advogado André Barreto avalia que as medidas têm o
objetivo de impedir que as pessoas consigam se aposentar. “Essas
famílias de agricultores obtêm recurso por safra, não têm condições de
pagar esses valores mensalmente. Então o que acontece é que essa
população não vai conseguir se aposentar. Vai trabalhar até o fim da
vida. As regras estão colocadas para impedir o acesso ao direito de se
aposentar”.
Outro ponto crítico da Reforma da Previdência é a
desvinculação da aposentadoria à política de salário mínimo. A
agricultora Alaíde Martins conta que, ao se aposentar, passou a ter uma
vida mais digna e a fazer feira com mais tranquilidade, mas não livre de
dificuldades financeiras. “A aposentadoria vinculada ao salário mínimo
já dá ‘a continha’ certa para fazer a feira do mês e comprar um ou outro
remédio. Mas com essa mudança, não vai dar nem para manter a
alimentação e a saúde, que é o básico. Isso vai acabar com o povo”, diz.
“A desvinculação pode fazer com que, daqui a 10 anos, a aposentadoria
seja equivalente à metade de um salário mínimo”, completa Jaime Amorim.
Cidades do Interior
Os
entrevistados também foram unânimes na avaliação de que o ataque à
aposentadoria rural não atinge apenas as famílias agricultoras, mas
todas as cidades do interior do Brasil. “Hoje a economia dos municípios
menores, os que não têm indústria, dependem do pequeno comércio, dos
mercadinhos, das bodegas. E o recurso que circula é o da previdência. É a
fonte de renda dos municípios”, afirma o presidente da CUT Pernambuco.
“Com essa reforma essas cidades vão quebrar. As prefeituras não têm como
dinamizar a economia. As prefeituras irão falir. E a consequência é o
êxodo rural seguido da favelização. Essa reforma vai inchar as cidades”,
avalia Carlos Veras.
A jovem Ana Paula acredita que a reforma
pode acabar com o comércio da sua cidade. “A população de Afogados
depende do comércio de hortaliças e pequenos animais”. Jaime Amorim, do
MST, também prevê essa situação. “Os pequenos municípios dependem
economicamente desse recurso que vem da aposentadoria dos camponeses.
Mensalmente os trabalhadores rurais aposentados gastam esse dinheiro no
comércio das pequenas cidades”, diz Amorim. “A reforma da previdência
vai reduzir drasticamente o número de pessoas que conseguem se
aposentar, especialmente mulheres. Os idosos falecem, o recurso deixa de
circular e não entra novo recurso, porque as pessoas não conseguem se
aposentar. Isso inviabiliza a economia rural e dos municípios, atingindo
milhões de pessoas que trabalharam duramente para construir esse país”,
completa.
Veras acredita que a PEC 287 é um caminho para o
Nordeste voltar à condição de “exportador de mão de obra barata para
outras regiões”, em contraponto com a última década, quando os estados
nordestinos viveram o oposto, com as famílias retornando para
reconstruir suas vidas na região. “E no caso do campo corremos o risco
de voltar aos tempos de medidas de emergências, saques e aumento da
pobreza. Com certeza essa reforma vai colocar o Brasil de novo no Mapa
da Fome. O projeto é muito prejudicial às economias locais e ainda tira
as mínimas condições de vida das pessoas”, lamenta.
Resistência
Doriel
de Barros avisa que a FETAPE está mobilizada para enfrentar a Reforma
da Previdência. “Estamos organizando as bases para denunciar e enfrentar
essa Reforma da Previdência, pois essa medida visa tirar os direitos
conquistados pela classe trabalhadora. Queremos debater com a sociedade
nos próximos meses”, avisa. “A expectativa de vida média dos
trabalhadores rurais é de 67 anos. Se essa proposta passar, muitos
trabalhadores rurais não conseguirão se aposentar”, reclama o
sindicalista. Carlos Veras, da CUT, reforça o coro. “O camponês começa a
trabalhar com 5 anos de idade, seja menino ou menina. Impedir que essa
pessoa se aposente é uma crueldade que não pode ser aceita”. E Jaime
Amorim, dirigente do MST, afirma que “mexer na Previdência é declarar
guerra aos camponeses. Os trabalhadores rurais de todo o País
resistirão”.
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